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Há exatos cinco anos, após ler os livros O Imperador de Todos os Males, de Siddhartha Mukherjee, e Acima de Tudo o Amor, de Henrique Prata, comecei a questionar minha atuação como especialista. São livros incríveis em que boa parte se fala sobre câncer de mama e como o curso da história foi modificado por homens e mulheres corajosos o suficiente para lutarem pelo controle desta doença e salvarem milhares de vidas.

E começou minha jornada para além do “Castelo do Saber”. Saindo da minha zona de conforto, pude entender melhor sobre o complexo sistema de saúde brasileiro e as múltiplas barreiras enfrentadas pelas mulheres para obterem os cuidados de câncer de mama. Pude entender porque, ano após ano, recebo pacientes com tumores localmente avançados (6 em cada 10) no Sistema Único de Saúde.

O câncer é um problema de saúde pública mundial. Sua incidência cresceu 20% na última década. Para 2018, segundo estimativa fornecida pelo INCA (Instituto Nacional de Câncer), o principal câncer incidente na mulher é o de mama, sendo esperados mais de 59.000 casos novos que correspondem a 29,5% dos cânceres femininos. O segundo tumor de maior incidência na mulher é o de cólon e reto que corresponde a 9,4% e, depois vem o de colo de útero, 8,1%. Desses casos novos, mais da metade será de casos avançados, o que diminui a possibilidade de tratamento com intenção de cura. O câncer de mama é uma doença que tem cura, mas precisa ser diagnosticada precocemente e ter tratamento imediato. Uma pesquisa do Datafolha realizada para a ONG Fundação Laço Rosa mostra que, em média, as mulheres com câncer de mama esperam até 4,4 meses para obter o diagnóstico da doença, 3,5 meses entre o diagnóstico e o início do tratamento. Por isto a necessidade do desenvolvimento de ações por parte do setor público e privado para o diagnóstico precoce visando à diminuição da mortalidade.

Apesar da alta frequência do tumor, não existe uma ampla estrutura que permita às mulheres atendidas pelo SUS, a garantia de um atendimento digno, focado não apenas no tratamento, mas em prevenção e diagnóstico precoce. Apenas 18 mulheres em 100 fazem mamografia de rastreamento no Rio de Janeiro. Este número está abaixo do preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – 70 mulheres em 100. Em países que implantaram programas efetivos de rastreamento, com cobertura da população-alvo, qualidade dos exames e tratamento adequado, os custos com saúde são menores e a mortalidade por câncer de mama vem diminuindo, o que justifica adotá-lo como política de saúde pública.  

Assim, um Programa de Rastreamento Organizado de Câncer de Mama foi iniciado em março de 2014 com apoio do Hospital Federal do Andaraí e do Posto de Saúde Maria Augusta Estrella. O projeto piloto lançado na Comunidade do Andaraí, intitulado ‘Clube da Mama: Mulher bonita por dentro e por fora’, firmou parceria com o Renascença Clube, em outubro de 2014, permanecendo até hoje. No programa são incluídas mulheres assintomáticas, de 50 a 69 anos, a faixa etária mais incidente, e mulheres abaixo dos 50 anos que tenham história familiar para câncer de mama. Essas mulheres são orientadas em reuniões, que aconteceram no Renascença Clube, quanto aos fatores de risco e cuidados com as mamas. O exame clínico das mamas e a mamografia são realizados com dia e hora marcados no Hospital do Andaraí que possui radiologia mamária, equipada com mamógrafo digital e ultrassonografia mamária. Se for diagnosticada alguma alteração suspeita ou se for confirmada malignidade, as pacientes serão devidamente assistidas para realizarem o tratamento em Hospital de Referência.

De 2014 a 2016 foram cadastradas 200 mulheres do Complexo do Andaraí que não possuía nesta época Estratégia de Saúde da Família. Nesta população, 50% das mulheres nunca tiveram suas mamas examinadas por um médico ou fizeram mamografia antes; 80% são hipertensas; 50% diabéticas; 5% das famílias são consideradas de alto risco para câncer de mama; nenhuma mulher havia recebido antes informação saúde da mulher em geral ou sobre mudanças de estilo de vida para reduzir o risco de doenças crônicas, como o câncer, por exemplo. O Clube da Mama – Mulher Bonita por Dentro e por Fora, é um projeto inovador que visa à detecção precoce do câncer de mama nas Comunidades do Rio de Janeiro, mas visa também o Empoderamento das Mulheres destas localidades para transformação de vidas.

Na busca por conhecimento e expansão do Clube da Mama, tive a oportunidade de conhecer em 2016, o Programa de Navegação de Câncer de Mama em Massachusetts General Hospital (MGH), Boston/USA, com apoio da Avon Foundation. Este programa coordenado pelo Dr. Paul Goss, oncologista clínico renomado, professor de Harvard e fundador do Global Cancer Institute, tem como maior objetivo quebrar as barreiras que impedem o diagnóstico precoce de câncer de mama e o tratamento em tempo hábil nos países de baixa e média renda.

O Clube da Mama se torna agora, com apoiadores experientes na causa contra o câncer de mama, Fundação Laco Rosa e Instituto Avon, um Programa: de Educação da Usuária, de Capacitação dos Profissionais de Saúde da Atenção Primária e de Navegação de Pacientes. Trata-se de um projeto de intervenção que visa eliminar as barreiras e propor estratégias para assegurar que pelo menos 70% das mulheres recrutadas na Comunidade do Andaraí realizem o rastreamento organizado, podendo propor considerações para a incorporação do programa aos formuladores de políticas em saúde e aqueles que os ajudam no Rio de Janeiro.

Em março, foram cadastradas mais 150 mulheres no Clube da Mama e em parceria com a Clínica da Família Odalea Firmo Dutra e suas Equipes de Saúde da Família, Secretaria Municipal e Estadual de Saúde, o Programa pretende contemplar a população-alvo para o rastreamento organizado de câncer de mama com cerca de 3.000 mulheres desta região em 2018.

O controle do câncer de mama é dever da Sociedade e do Estado. Juntos podemos melhorar o acesso aos cuidados de câncer de mama no sistema de saúde, eliminando as barreiras institucionais, socioeconômicas e pessoais que impedem o diagnóstico precoce e o tratamento em tempo hábil desta doença. Juntos podemos salvar vidas.