Antonio Valente Simão traz a coragem no nome. Aos 18 anos, ele tinha as preocupações normais da idade, como festas, amigos e o início da Faculdade de Música, no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro. Até que, em uma manhã de sábado de carnaval, em fevereiro de 2013, Tom – como Antonio é carinhosamente chamado -, foi surpreendido com o diagnóstico de Linfoma de Hodgkin, um câncer de sangue que pode se manifestar de várias maneiras.
A doença demorou a ser identificada, já que o jovem estava fazendo uma dieta para emagrecer. Como ficou muito magro – chegou a perder 18kg -, e começou a ter falta de ar e o alerta da mãe Patrícia Valente foi acionado. Um primo médico pediu uns exames e, logo em seguida, solicitou, com urgência, uma tomografia, onde apareceu uma massa enorme no mediastino – região próxima à caixa torácica -, fechando a traquéia. Ali estava o problema que Tom e a família iriam enfrentar pelos próximos anos. O susto pegou a família Valente de surpresa, mas a união em torno de Tom fez toda a diferença. A mãe, Patrícia e os tios Luize e André, além do pai Eduardo Simão, saíram correndo para pesquisar sobre a doença.
No começo a informação era de que o diagnóstico dele era o melhor diante do quadro, porque o tratamento era muito acertivo e as chances de cura muito altas. Só que, depois de seis meses de tratamento, o organismo do Tom não tinha respondido à quimioterapia como era esperado. Aí começou aquela rotina sem graça de médico, hospital, quimioterapia, radioterapia e remédios com nomes nada convidativos. Ao final, Tom fez dois transplantes, sendo o último de medula óssea, recebida do pai.
Ao invés de se revoltar com a doença tê-lo atingido tão novo, Tom decidiu usar a música como companheira durante esse período de dois anos, entre tratamentos, cirurgias e internações em um hospital de São Paulo. Aproveitou para organizar os estudos da Faculdade, agendou aulas de regência, de alemão e até de flauta no próprio hospital. A música animava o ambiente e era comum, nos dias de aula de flauta, os pacientes e acompanhantes aguardarem no corredor para ouvir professor e aluno tocando.
Em 2014, quando voltou para o Rio, depois do primeiro transplante, Tom decidiu criar um Coral no Jardim Botânico, onde morava. Convocou familiares e moradores do entorno. Ele mesmo cuidou da arte e da divulgação. Eu, que conhecia a tia, me animei e decidi participar e apoiar. Assim, em agosto do mesmo ano, o Coral JB começou seus ensaios, na Paróquia São José, na Lagoa. As noites de segunda nunca mais foram as mesma e virou rotina o grupo formado por jovens e senhoras, de diferentes idades, se reunir para cantar. O maestro, por sua vez, inspirado em seu xará, Tom Jobim, também morador do bairro, apostava na Música Popular Brasileira como repertório. E assim fomos aprendendo a cantar cirandas e canções como “Asa Branca”, “Carinhoso”, “Wave” e “Todo azul do mar”, entre outras.
Nos tornamos uma grande família, cientes dos limites e da capacidade de cada um. Tom se dedicava ao máximo e cobrava presença, pontualidade. Para muitos o encontro era quase uma terapia, mas para o maestro havia uma meta: fazer uma apresentação para o público do bairro e começou a planejar. E Tom foi, aos poucos, amadurecendo na nossa frente, sempre falando abertamente sobre a doença, o tratamento e seus efeitos. Mas também falava de música, de namoradas e de programas culturais. Acompanhamos todas as etapas e, mesmo quando ele teve que se ausentar por três meses, no final do ano, para o segundo transplante, continuamos ensaiando para fazer bonito quando o maestro voltasse.
No começo de 2015, Tom retornou aos ensaios, já com a data da primeira apresentação do Coral JB marcada para agosto, na praça Pio XI, reduto dos eventos culturais no bairro. Foram meses intensos de ensaio, onde cada um deu o seu melhor. Nosso sarau aconteceu em um fim de tarde de domingo e fizemos bonito. Nos posicionamos, arrumados e ensaiados com a camiseta do coral – produzida pelo maestro – em nosso palco, na escadaria da praça. Nossa apresentação foi linda e aplaudida pelos moradores presentes . Ao final, descemos e formamos uma grande roda com o público, cantando a primeira ciranda que aprendemos. Nesse momento me lembro de ter visto Tom, olhando sereno. Esse tinha sido o seu projeto de vida nos últimoos dois anos. Essa foi a maneira que ele arrumou para lidar e conviver com a doença. Aquele grupo, cantando, do jeito que ele ensaiou foi o seu remédio. Ali estava o seu momento #forçanaperuca.
Animado com o Coral, e ciente do poder terapêutico da música, Tom começou a agendar outras apresentações. Duas aconteceram, em outubro, no Instituto Fernando Figueira, no Flamengo – considerado um “hospital amigo da criança”, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) -, por conta do Dia das Crianças e foi muito especial. O cuidadoso maestro preparou uma linda versão para “Você quer brincar na neve”, do filme “Frozen”. Também nos apresentamos dentro da programação do Outubro Rosa, na Igreja São José (foto) e na festa de final de ano da Fundação Laço Rosa.
O jovem maestro seguiu ensaiando e cantando com o Coral JB até o meio de 2017, quando foi selecionado entre vários regentes, para um curso ministrado por um dos maiores nomes da música clássica, o maestro Isaac Karabitchevsky. Recuperado da doença e vivendo um dia de cada vez, com revisão de exames a cada seis meses, Tom está levando uma vida normal. Mais do que normal, eu diria, já que passou os últimos seis meses entre Londres e Munique, na Alemanha, aprendendo música e fazendo um curso intensivo de alemão. E mesmo com a agenda intensa de estudos arrumou tempo para se dividir enatre três corais, incluindo um que ajudou a montar na escola onde estudava. Agora, de volta ao Brasil, ele pretende dar aulas de música, arrumar um trabalho e até retomar o Coral. Vida que segue.
Para a mãe de Tom, a doença trouxe algumas lições. A primeira foi aprender a lidar diretamente com o problema, seja ele do tamanho que for. “É acordar todo dia pensando no que pode ser feito e seguir em frente, sem reclamar”, afirma Patrícia, que acredita o maior aprendizado, no entano foi sobre solidariedade. “Eu, meu filho e minha família, tivemos apoio de gente que nem nos conhecia. É muito bom saber que ainda existem muitas pessoas dispostas a ajudar, sem ver a quem. Isso é uma experiência única”, conclui.
#forçanaperuca